quinta-feira, 27 de maio de 2010

cotidiano

O mundo cansa.
O despertador te lembra que o sistema te chama.
No caminho você se permite ir mais devagar, é o máximo de subversão que a rotina vai ter permitir.
Então atrase.
Consegui! Aquele semáforo que sempre me segura, hoje estava verde (ponto pra mim), algo me diz que estou fora do tempo.
Ando mais dois quilômetros (cadê a vó que leva o neto pra escola?), será que o menino impecavelmente uniformizado está febril? Será que o cachorro dele fugiu? Será que a vó dele morreu? ou será que eles ja atravessaram a rua e eu realmente estou fora do tempo?
Ando mais um pouco, a moto dá indícios de que eu esqueci alguma coisa...(gasolina?)
Yessssssss, eu esqueci de abastecer naquele posto, cujo frentista nunca falta (nem eu), e sempre a mesma pergunta, com a mesma voz de locutor de rádio AM: "pode abastecer"?
"sim", eu respondo, quando tenho vontade de gritar: Nao, por favor, nao abasteça, eu estou aqui 'as 7:30 da manhã, ao lado dessa bomba de gasolina porque eu nao tenho mais nada pra fazer da minha vida! (perguntas idiotas merecem respostas cretinas, porém faço o exercício diário, sobre-humano, de lembrar que o bom senso ainda é uma das formas de se manter a paz mundial.
Lembrar do frentista com cara de Wood Alen naquele momento me fez rir (será que ele sentiu minha falta?), eu, ao menos naquele instante estava sentindo muito a falta dele, mas aproveitei a cartáse do dia pra acender um cigarro. Ajustada a moto devidamente 'a calçada, sentei e fumei.
Interessante situação. O cigarro faz bem 'a saúde em determinadas situações, ele incentiva a gente a ligar o "foda-se". Foi o que eu fiz.
O meu foda-se ja  tava  acionado (lembra que eu ja saí de casa com a intenção de ir mais devagar?) só nao imaginava que eu tivesse essa força de persuasão!
ficamos lá, eu, meu cigarro, minha moto, quando fomos surpreendidos por uma bomba de álcool (mas eu precisava de gasolina! yesss, tava realmente tudo saindo fora da rotina), a bomba de álcool falava, ou tentava, com a boca desprovida de dentes, o que dificultava ainda mais minha compreensão, além do dialeto-genuíno-de-um-bêbado.
Passado alguns minutos, captei vossa menssagem: "Tá cum pobrema, fia?"
respndi: "Acabou a gasolina da minha moto" (tá, eu tive vontade de mandar o bom senso 'a merda: "Nao, senhor, eu gosto de parar a moto no meio fio, acender um cigarro, ficar contando quantos pássaros defecam sobre a minha cabeça. Depois que o décimo passarinho acertar o alvo, eu levanto e vou embora!"), mas é claro, me contive.
O dialeto se complicava ao passo que o senhor se movimentava pra chegar mais perto. Sentou-se ao meu lado: "fia, ocê pode mi fazê o favô de mi dá um cigarro?"
Achei o senhor tão educadinho, ele foi educado e objetivo, admiro pessoas pontuais.
Mas eu estava a fim de realmente  me atrasar - SUBVERSÃO TOTAL, e resolvi puxar papo com o tiozinho-bêbado-com-cara-de-chicoanysio, e mandei bala: "Só te dou um cigarro se o senhor me emprestar o celular"
O velho pensou por alguns segundos (eu pensei, esse é dos meus, ele vai me mandar a merda, "cê acha que um pobre coitado que nem eu tenho esse tal de celular? enfia seu cigarro no cú"), mas o fôlego que ele buscou foi para se movimentar lentamente, até porque ele se equilibrava entre a sargeta e a rua, e levantando levemente a nádega direita puxou alguma coisa do bolso: "toma, fia, pode usá, mai tá sem crédito", e me entregou o celularzinho depois de limpá-lo com o pedaço de camiseta, ou o que um dia foi uma camiseta.
choquei.
Liguei pra porra do chefe pedindo que alguem me levasse um pouco de gasolina.
Levantei, dei o maço de cigarro inteiro (por que a gente nao esquece de comprar cigarro, mas esquece de colocar gasolina?), tirei meu agasalho e vesti o velho.
a minha subversão acabou ali. o atraso foi explicado. a gasolina chegou. o dia estava só começando.
o cotidiano é uma merda, mas quando a gente se permite sair fora tempo, adquirimos essas pérolas diárias, além dos "descarregos dos passarinhos com piriri", mas isso é outra história.


Carpe diem, é o que nos resta, ou o que sobra.

Um comentário:

  1. IM-PRES-SI-O-NAN-TE.
    E não consigo encontrar qualquer outro adjetivo que me satisfaça ao ler tão reais circunstâncias...
    C'est la vie!!!

    ResponderExcluir