quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Do diálogo com a geladeira

Há tempos minhas madrugadas abrem parênteses para meus monólogos com a geladeira, ou quase um diálogo, visto que, loucura ou não, juro que obtenho respostas desse objeto-grande-branco que reside em minha cozinha.

Levanto e como num encontro marcado, vou ainda com os olhos fechados ate a geladeira.
Abro a porta e a luz que emana me avisa que é preferível abrir os olhos.
Verifico seu conteúdo, tudo anatomicamente organizado, em seus devidos lugares (que inveja! Meus conteúdos estão quase sempre deslocados).
A caixa de leite aguardando para ser aberta, o que já me faz refletir que talvez o leite seja um dos alimentos mais antigos, porem nunca inventaram um recipiente propicio para tal. A caixinha é bonitinha, encaixa perfeitamente na prateleira, mas por que eu sempre derramo o leite fora do copo? A embalagem as vezes engana tanto!
Na prateleira de cima encontram-se os condimentos: ktchups, mostarda, maionese, um pedaço ínfimo de tomate, OPA, tomate? Pra que guardar um pedacinho ridículo de tomate? Tomate guardado tem sua função, ainda mais os pequenos-que-nunca-seräo-utilizados: de certa forma ele é responsável em nos lembrar que o tempo passa. Primeiro ele vai ficando irrugadinho, as bordas vão se fechando e com o passar dos dias sua coloração altera do vermelho-tomate ao amarelo-verde-qualquer-coisa.
As jarras de suco são teimosas, não sabem lidar com o desapego, tanto quanto as garrafas de coca-cola. Fica lá, eternamente, com a quantidade mínima, calculadamente deixada para não esvaziar o recipiente. Eu juro que tanto a jarra quanto a garrafa me imploram “por favor, não me beba, deixe-me aqui com esse restinho”. Eu respeito, e as compreendo. No fundo, no fundo, acho que a gente é bem raso, tem tanta coisa sem conteúdo nenhum que somos obrigados a suportar!
Os ovos! Jamais se misturam. Fico imaginando o quanto são rotulados como “superiores”. É fato que eles teem um lugarzinho privilegiado, personalizado, e olham tudo de cima, mas eles merecem! Aposto que os outros alimentos não pensam o quanto deve ter sido difícil ser arrancado do galinheiro, quentinho, sem ter conhecido os pais e colocado num lugar gelado onde todo mundo te odeia sem nem ao menos saber da sua historia.
E a bandeja de iogurtes! Sempre com os quadrigêmeos de morango, com o ovelha-negra “abacaxi” e o mais velho “salada de fruta” que contém um pouco de todos, totalmente sem personalidade. Eu começo sempre pelo de morango, a consciência pesa menos, já que ainda restarão mais três iguais. O abacaxi deixo por ultimo, gosto de saborear a vitória da sua permanência, me identifico.
E lááá no fundinho, como querendo não ser encontrado, percebo um pacotinho cheio de coisinhas pretas. Arranco-o do seu conforto, protegido atrás da exuberância do pudim gigante, aquele acúmulo de uvas-passas (complexadas, escondidas pela beleza do pudim de leite condensado), mas minha boca enche de desejo (pelas uvas, não pelo pudim).
Pego o pacotinho. Pela ausência de olfato adquiri a mania quase mecânica de averiguar o prazo de validade. A aparência estava ótima, mas aparências enganam, é melhor eu me certificar quanto a validade (o mundo ta cheio de coisa linda que não presta).
Decepciono-me. Engulo meu desejo, o prazo de validade venceu. (e eu perdi)
Jogo meu desejo no lixo junto com as uvas-passas.
Pois é, a gente tem que saborear enquanto ta dentro do prazo, depois meu bem, não adianta reclamar, porque é fato: TUDO TEM SEU PRAZO DE VALIDADE.
Fui dormir, morrendo de vontade de uva-passa.

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